Doenças Diarreicas Agudas
A doença diarreica aguda é reconhecida como importante causa de morbimortalidade no Brasil, mantendo relação direta com as precárias condições de vida e saúde dos indivíduos, em consequência da falta de saneamento básico, desnutrição crônica, entre outros fatores.
A DDA é uma síndrome causada por diferentes agentes etiológicos (bactérias, vírus e parasitos), cuja manifestação predominante é o aumento do número de evacuações, com fezes aquosas ou de pouca consistência. Em alguns casos, há presença de muco e sangue.
Pode ser acompanhada de náusea, vômito, febre e dor abdominal. No geral, é auto-limitada, com duração entre 2 a 14 dias. As formas variam desde leves até graves, com desidratação e distúrbios eletrolíticos, principalmente quando associadas à desnutrição.
Descrição da Doença
Agentes etiológicos
A doença diarreica aguda pode ser de origem infecciosa e não infecciosa. Para a saúde pública, a de maior importância é a infecciosa, devido a sua maior frequência.
As principais causas são:
Infecciosa bactérias e suas toxinas:
1.Vírus;
2.Parasitos;
3.Toxinas naturais.
Não infecciosa:
1.Intolerância a lactose e glúten;
2.Ingestão de grandes quantidades de hexitóis (adoçantes);
3.Ingestão demasiada de alguns alimentos;
4.Sais mal absorvido (ex.: laxantes e antiácidos);
5.Ácidos biliares (após ressecção ileal);
6.Gorduras não absorvidas;
7.Algumas drogas (ex.: catárticos antraquinônicos, óleo de rícino, prostaglandinas);
8.Hormônios peptídicos produzidos por tumores pancreáticos.
Reservatório:
O reservatório é específico para cada agente etiológico.
Modo de transmissão:
O modo de transmissão pode ocorrer pela via oral ou fecal-oral, sendo específico para cada agente etiológico:
•Transmissão indireta – ingestão de água e alimentos contaminados e contato com objetos contaminados (ex.: utensílios de cozinha, acessórios de banheiros, equipamentos hospitalares);
•Transmissão direta – pessoa a pessoa (ex.: mãos contaminadas) e de animais para as pessoas.
Os manipuladores de alimentos e vetores, como as moscas, formigas e baratas, podem contaminar, principalmente, os alimentos e utensílios. Locais de uso coletivo, tais como escolas, creches, hospitais e penitenciárias apresentam maior risco de transmissão.
Período de incubação:
O período de incubação é específico para cada agente etiológico.
Período de transmissibilidade:
A transmissibilidade é específica para cada agente etiológico.
Aspectos clínicos e laboratoriais
Manifestações clínicas:
De modo geral, o quadro clínico é agudo, autolimitado e não confere imunidade duradoura. Os episódios de diarreia aguda, de uma maneira geral, podem ser divididos em dois grandes grupos: diarreia aquosa e diarreia sanguinolenta.
A diarreia aquosa é caracterizada pela perda de grande quantidade de água durante a evacuação, promovendo uma alteração na consistência das fezes, podendo estabelecer rapidamente um quadro de desidratação.
A diarreia sanguinolenta (disenteria) é caracterizada pela presença de sangue nas fezes, podendo haver presença de muco e pus. Sugere inflamação ou infecção do intestino.
Diagnóstico clínico:
O primeiro passo para o diagnóstico é a realização de uma boa anamnese. Para isso, algumas informações são fundamentais: idade do paciente, duração do episódio atual de diarreia, características das fezes (aquosas ou sanguinolentas), frequência e volume das dejeções, associação da diarreia a vômitos, dor abdominal, febre (sua duração), tenesmo (tentativa dolorosa de evacuar), câimbras.
É importante também excluir as causas não infecciosas de diarreia aguda: uso recente de medicações (laxativos, antiácidos, antibióticos), ingestão de bebidas alcoólicas, excesso de bebidas lácteas.
A história epidemiológica e social, nesses casos, também ajuda na condução do diagnóstico: onde o paciente reside, condições sanitárias do local, história de viagem recente a lugares endêmicos ou não endêmicos.
Além disso, é importante saber se o paciente é portador de uma doença que pode estar relacionada com o quadro ou pode interferir no manejo da diarreia (hipertensão arterial sistêmica, diabetes, doenças cardíacas, doenças hepáticas, doenças pulmonares crônicas, insuficiência renal, alergia alimentar, HIV positivo). O próximo passo é a realização de um cuidadoso exame físico (avaliar desidratação, examinar abdômen).
Diagnóstico laboratorial
O diagnóstico das causas etiológicas da DDA é laboratorial, por meio de exames parasitológicos de fezes, culturas de bactérias e pesquisa de vírus. O diagnóstico laboratorial é importante na vigência de surtos para orientar as medidas de controle. Em casos de surto, solicitar orientação da equipe de vigilância epidemiológica do município para coleta de amostras.
Pesquisa de bactérias
O exame a ser realizado é a cultura de fezes (coprocultura). Para isso utiliza-se, principalmente, a técnica de swab retal ou fecal em meio de transporte Cary-Blair. Na coleta de amostras de fezes por swab retal, seguir o roteiro:
• umedecer o swab em solução fisiológica ou água destilada esterilizadas;
• introduzir a extremidade umedecida do swab (2cm) na ampola retal do paciente, comprimindo-o, em movimentos rotatórios suaves, por toda a extensão da ampola;
• colocar em meio Cary-Blair ou em água peptonada alcalina. Quando colocada em meio de transporte Cary-Blair, encaminhá-la, se possível, em até 48 horas.
Acima desse tempo, sob refrigeração, em até 7 dias. No caso de amostras refrigeradas, respeitar as especificidades de cada agente (ex.: Shigella spp, Vibrio parahaemolyticus e alguns sorotipos de Salmonella). O swab com Cary-Blair é disponibilizado pelo Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen) para o município.
Na coleta de amostras de fezes por swab fecal, seguir o roteiro:
• o swab fecal se diferencia do swab retal porque é se introduzida a ponta do swab diretamente no frasco coletor sem formol (Figura 2) com fezes do paciente;
• esse procedimento deve ser feito até 2 horas após a coleta no frasco, pois, passado esse período, as bactérias da flora intestinal podem destruir as bactérias patogênicas causadoras da síndrome gastrointestinal;
• esse swab deve ser acondicionado em meio Cary-Blair ou em água peptonada alcalina.
Quando colocado em meio de transporte Cary-Blair, encaminhá-lo, se possível, em até 48 horas. Acima deste tempo, sob refrigeração, em até 7 dias. No caso de amostras refrigeradas, respeitar as especificidades de cada agente.
Recomenda-se a coleta de 2 a 3 amostras por paciente, desde que haja disponibilidade suficiente de material para coleta e capacidade de processamento laboratorial de todas as amostras encaminhadas.
Importante
As fezes devem ser coletadas antes da administração de antibióticos ao paciente. Evitar coletar amostras fecais contidas nas roupas dos pacientes, na superfície de camas ou no chão.
Pesquisa de vírus
•Indicar que o paciente colete em torno de 5 gramas de fezes in natura e coloque a amostra em um frasco coletor de fezes sem formol, com tampa rosqueada. É importante que o frasco seja identificado com nome completo do paciente e seja acondicionado em saco plástico.
•Conservar em geladeira por até 5 dias; após esse tempo conservar em freezer.
•Quando o paciente é criança, coleta-se material da fralda:
› material sólido, coletar com espátula e colocar no frasco coletor;
› material líquido, acondicionar a fralda em saco plástico e encaminhar ao laboratório.
• O swab retal só é indicado em caso de óbitos.
Pesquisa de parasitos
•Deve ser coletada uma quantidade mínima de 20 a 30g de fezes (aproximadamente a metade de um coletor de 50ml) em frasco coletor de fezes, com tampa rosqueada.
•Em neonatos, colher na própria fralda, evitando o contato das fezes com a urina.
•De preferência, colher as fezes antes da administração de qualquer medicamento, uma vez que alguns prejudicam a pesquisa dos parasitos em geral. Esses medicamentos são: antidiarréicos, antibióticos, antiácidos, derivados de bismuto e de bário, vaselina e óleos minerais.
•Antibióticos, como a tetraciclina, afetam a flora intestinal normal, causando diminuição ou ausência temporária dos organismos nas fezes, pois esses parasitos se alimentam de bactérias intestinais. Portanto, o diagnóstico só será seguro de 2 a 3 semanas após a suspensão do antibiótico.
•Recomenda-se a coleta em conservante de, no mínimo, 3 amostras em dias alternados ou 5 amostras em dias consecutivos. Para pesquisa de larvas de Strongyloides stercoralis, trofozoítos de protozoários e Blastocystis hominis, há necessidade de obtenção de uma ou mais
amostras frescas que devem ser encaminhadas imediatamente ao laboratório clínico.
•Para verificar a eficácia da terapêutica, um novo exame deverá ser realizado 3 a 5 semanas após o tratamento.
Tratamento
O tratamento da doença diarreica aguda consiste em quatro medidas:
1.Correção da desidratação e do desequilíbrio eletrolítico;
2.Combate à desnutrição;
3.Uso adequado de medicamentos; e,
4.Prevenção das complicações.
Atribuições dos profissionais no controle das doenças diarreicas agudas
Agente Comunitário de Saúde (ACS)
• Identificar os casos e encaminhá-los à unidade de saúde para diagnóstico e tratamento.
• Identificar sinais e/ou situações de risco em casos de diarreias e orientar sobre o tratamento da água para consumo humano, o destino dos dejetos e o lixo residencial.
• Acompanhar os pacientes e orientá-los quanto à necessidade na continuidade do tratamento.
• Desenvolver ações educativas, levando informações e orientações às famílias e aos indivíduos, identificando às medidas de prevenção e controle das doenças diarreicas.
• Orientar a população informando-a sobre a doença, seus sinais e sintomas, riscos e formas de transmissão.
• Atuar como elemento mobilizador da comunidade chamando a atenção das pessoas para a importância da participação de todos em campanhas e mutirões no combate às doenças diarreicas agudas.
• Contribuir e participar das atividades de educação em saúde permanente dos membros da equipe de saúde quanto à prevenção, manejo do tratamento e ações de vigilância epidemiológica das doenças diarreicas agudas.
• Registrar informações, dados e percepções que vão possibilitar que os profissionais da unidade básica de saúde articulem a visão clínico-epidemiológica e os aspectos sociais e culturais da comunidade, favorecendo uma assistência mais integral e resolutiva.
Auxiliar/Técnico de Enfermagem
• Participar das atividades de assistência básica, realizando procedimentos regulamentados para o exercício de sua profissão.
• Registrar os casos de diarreia em impresso próprio do Sinan.
• Realizar assistência domiciliar, quando necessária.
• Realizar/acompanhar o tratamento dos casos, quando necessário, seguindo a orientação do enfermeiro e /ou médico.
• Contribuir e participar das atividades de educação em saúde permanente dos membros da equipe quanto à prevenção, manejo do tratamento e ações de vigilância epidemiológica das doenças diarreicas agudas.
Enfermeiro
• Realizar consulta de enfermagem, solicitar exames complementares e prescrever medicações, conforme protocolos ou outras normas técnicas estabelecidas pelo gestor municipal, cobservadas as disposições legais da profissão.
• Planejar, gerenciar, coordenar e avaliar as ações desenvolvidas pelos ACS e auxiliares/técnicos de enfermagem.
• Realizar assistência de enfermagem domiciliar, quando necessária.
• Orientar os auxiliares/técnicos de enfermagem e ACS para o acompanhamento dos casos em tratamento.
• Acompanhar a evolução clinica dos casos em tratamento.
• Contribuir e participar das atividades de educação em saúde permanente dos membros da equipe de saúde quanto à prevenção, manejo do tratamento e ações de vigilância epidemiológica das doenças diarreicas agudas.
• Consolidar os dados dos Impresso I e II, ao final de cada semana epidemiológica, e encaminhá-lo à vigilância epidemiológica do município, elaborando o gráfico correspondente para análise, o qual deverá ficar exposto em local visível na unidade de saúde.
Médico
• Diagnosticar e tratar adequadamente os casos de doença diarreica aguda conforme orientações e instrumentos técnicos recomendados.
• Realizar a avaliação clínica do paciente, classificar o seu grau de desidratação e adotar a conduta terapêutica adequada.
• Solicitar exames específicos e complementares, quando necessários.
• Encaminhar os casos graves para a unidade de saúde de referência, respeitando os fluxos locais e mantendo-se responsável pelo acompanhamento.
• Realizar assistência domiciliar, quando necessária.
• Acompanhar a evolução clinica dos casos em tratamento.
• Notificar os surtos de doença diarreica aguda e solicitar, junto à vigilância epidemiológica do município, sua investigação.
• Orientar os auxiliares/técnicos de enfermagem e ACS para o acompanhamento dos casos em tratamento.
• Contribuir e participar das atividades de educação permanente dos membros da equipe quanto à prevenção, manejo do tratamento, ações de vigilância epidemiológica das doenças diarreicas agudas.
INFORMAÇÕES TÉCNICAS
Sinais e sintomas: Aumento do número de evacuações, com fezes aquosas ou de pouca consistência. Em alguns casos, há presença de muco e sangue. Pode ser acompanhada de náusea, vômito, febre e dor abdominal. No geral, é auto-limitada, com duração entre 2 a 14 dias e não confere imunidade duradoura.
Os episódios de diarréia aguda, de uma maneira geral, podem ser divididos em dois grandes grupos: diarréia aquosa e diarréia sanguinolenta*.
- Diarréia aquosa: é caracterizada pela perda de grande quantidade de água durante a evacuação, promovendo uma alteração na consistência das fezes. Pode estabelecer rapidamente um quadro de desidratação.
-Diarréia sanguinolenta (disenteria): é caracterizada pela presença de sangue nas fezes, podendo haver presença de muco e pus. Sugere inflamação ou infecção do intestino.
Medicamentos CONTRA-INDICADOS na diarréia aguda:
-ANTIEMÉTICOS (Metoclopramida, Clorpromazina, etc.).
Podem provocar manifestações extrapiramidais, depressão do sistema nervoso central e distensão abdominal. Podem dificultar ou impedir a ingestão do soro oral.
-ANTIESPASMÓDICOS (Elixir paregórico, Atropínicos, Loperamida, Difenoxilato, etc.). Inibem o peristaltismo intestinal, facilitando a proliferação de germes e, por conseguinte, o prolongamento do quadro diarréico. Podem levar à falsa impressão de melhora.
-ADSTRINGENTES (Caolin-pectina, Carvão ativado, etc.)
Têm apenas efeitos cosméticos sobre as fezes, aumentando a consistência do bolo fecal, além de expoliar sódio e potássio.
- ANTIPIRÉTICOS (Dipirona, etc.).
Podem produzir sedação, prejudicando a tomada do soro oral.
- LACTOBACILOS etc
Não há evidência de sua eficácia, apenas onera o tratamento.